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Pessoas

Mini Biografia

Jorge Manuel Barrosa Pereira Dias nasceu a 10 de Março de 1947, na cidade do Porto “sou um tripeiro de gema e gosto muito da minha cidade“.

Da escola passou para o liceu, do liceu para a universidade e depois para a tropa “foi quando fiquei a saber que ia morrer, não sabia porquê, mas com 22 anos sabia que estava no Ultramar, que estava na guerra, isso tinha a certeza absoluta“.

Após ter terminado a tropa porque a namorada já esperava há algum tempo foi trabalhar para a empresa do pai, a Sementeira Alípio Dias “comecei por ir para o armazém trabalhar. Carregar sacos, ver o tempo das sementes, carregar camiões, descarregar, etc. O que na altura fez com que eu ficasse assim um bocado triste com o meu pai. Hoje bato-lhe palmas.

Do Porto da sua juventude recorda as ruas cheias de gente, as tardes de cinema, os passeios e as reuniões em cafés como “a Brasileira, um café onde apareciam as pessoas que queriam conviver umas com as outras”.

“Hoje bato-lhe palmas”

Depois da tropa, vim para o Porto e a minha intenção era voltar a estudar mas já namorava há seis anos e havia uma tradição, naquela altura, que fazer esperar as namoradas era uma chatice. O meu pai perguntou-me:

- “Queres ir estudar ou queres ir trabalhar connosco?”

Eu sempre gostei muito do trabalho de comércio, sou um apaixonado por esse trabalho, muito embora, fosse para um curso de Química. Eu gostava de ter ido era para Medicina ou para Advocacia. Mas os meus 15 anos eram demasiadamente leves para seguir a minha namorada. Uma estupidez. Depois, acabei por perder a namorada, mas arranjei outra depois, mais tarde, ou outras.
Eu fui para Engenharia Química, nitidamente, porque a minha namorada também ia, o que é uma estupidez. Não se pode comparar os 15 anos da minha altura com os de hoje. São abismais as diferenças, eram muito mais infantis. As pessoas não tinham uma grande noção de futuro. O que pensavam para o seu futuro com 15 anos, hoje já têm. Eu quase que direi que o meu neto que tem 8 anos era capaz de ter hoje mais consciência do que eu tinha aos meus 15. Mas isso não me custa nada dizê-lo porque era uma coisa tradicional na época, era aquilo que se usava. E, portanto, acabei por ir trabalhar.

Começar a trabalhar foi simples. Foi o meu pai dizer que com o filho tem de ser mais exigente do que com os empregados. Os empregados já cá estavam há mais tempo, já sabiam mais disto e quem não conhece toda a orgânica não pode um dia ser patrão. Portanto, comecei por ir para o armazém trabalhar. Carregar sacos, ver o tempo das sementes, carregar camiões, descarregar, etc. O que na altura fez com que eu ficasse assim um bocado triste com o meu pai porque um individuo vinha oficial da NATO e vinha trabalhar para um armazém escurinho, onde havia ratos de vez em quando, era desagradável.

Hoje bato-lhe palmas. E hoje, que faz 24 anos que ele partiu deste mundo, agradeço-lhe profundamente aquilo que ele fez por mim porque só assim se aprende os cantos todos e pode humanizar-se no comando. Um dos grandes problemas de toda a nossa sociedade é que estamos numa sociedade profundamente desumanizada. Hoje o empregado não é olhado como um amigo, custa “x” tem de produzir “y”. Se não produzir “y”, rua. Eu aprendi que um empregado que ganha “x” e produza “y” e que nós sabemos que ele podia produzir “c” ou “z”, temos de falar com ele e dizer assim:

- “Ouve lá! O que é que se passa contigo? O que é que te impede de chegar a “z”?

E isto fazia com que as pessoas se humanizassem. Ainda hoje o faço. Foi assim que o meu pai me ensinou. Acho que todas as pessoas que nos dão o contributo e a alegria de trabalhar connosco são pessoas que confiam em nós.

São nossos amigos. É daqui que também sai o seu salário, é daqui que também sai a sua própria vida e, portanto, não os podemos respeitar só aqui, mas temos de respeitar aqui e fora, porque a sua família conta connosco, com a nossa capacidade de gerência, para podermos continuar a tocar o negócio para a frente, de forma a não criarmos na sua própria família qualquer défice que possa impedir que um filho, ou coisa do género, possa estudar, possa comer ou possa ser alguém um dia mais tarde. É esta desumanização em que vivemos hoje que nos vai obrigar a conhecer, mais tarde ou mais cedo, uma nova ordem internacional.

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Rua

Rua Mouzinho da Silveira

A Rua Mouzinho da Silveira era a grande rua da Baixa Histórica da cidade do Porto. Era a rua mais larga. Dizia-se inclusivamente que teria sido possivelmente o Marquês de Pombal que a tinha mandado fazer, dada a reconstrução que ele fez em Lisboa. Era uma rua que tinha preferencialmente comerciantes de ferro, tinha comércio de produtos para a agricultura, casas de sementes como era o nosso caso, armazéns de mercearia, alguns cafés, mas não muitos. Um, dois cafés, não existia mais.

A Rua das Flores era pela sua antiguidade das ruas mais estreitas, mas que tinha uma vida muito, muito curiosa dado o comércio que aí se praticava, que era acima de tudo onde se localizavam as grandes ourivesarias e joalharias desta cidade. Falar da Rua das Flores e não falar de um Ferreira Joalheiros ou não falar de um Pedro Baptista que era de facto um homem com uma sensibilidade e de uma qualidade ímpar, que ainda hoje seria um homem actual, não falar dos livreiros, os alfarrabistas era esquecer de facto a Rua das Flores e também da Misericórdia. Essa era de facto uma rua com um significado muito especial.

Ninguém ligava a ser estreita, porque a rua alargava-se pela qualidade do seu comércio e pela qualidade das pessoas que a utilizavam. Era uma rua de malhas e miudezas onde todas as senhoras, nem que fosse para comprar um botão, uma toalha, não deixavam de aqui vir. Era também uma das ruas muito procuradas num sábado à tarde e todos os dias. Eu lembro-me também desde tenra idade que vínhamos para aqui muitas vezes, mesmo miúdos, até porque gostávamos de utilizar o transporte que o meu pai nos podia proporcionar.

Concorrência corporativa

Eu já fui director da Associação dos Comerciantes do Porto e uma das teorias que eu defendia é que nós devíamos ter ruas temáticas. Antigamente, sem haver essa preocupação, elas existiam. Se se verificar a quantidade de ourivesarias que ainda hoje se conseguem manter na Rua das Flores, vem-se a demonstrar o quanto é que aquela rua não era procurada pelas ourivesarias.

A Rua Mouzinho da Silveira chegou a ter cinco ou seis casas de sementes.

Não havia a facilidade de chegar à província como se chamava, na altura, com a mesma facilidade com que hoje se chega num quarto de hora a Penafiel ou 20 minutos não sei onde. Havia os recoveiros, eram os caminhos-de-ferro, as camionetas que se pagavam e faziam as distribuições. Como não era na Avenida dos Aliados que se consumia sementes e como tudo o que nós vendíamos era consumido, produzido e semeado na província, o local ideal para uma firma desta natureza era a proximidade com a Estação de São Bento. Em São Bento, faziam-se os despachos nos caminhos-de-ferro e ao lado de São Bento havia os escritórios dos recoveiros. Era ali que se entregava. Do outro lado, paravam muitas camionetas. Era ali que se faziam os despachos das camionetas e, portanto, era quase como uma zona estratégica, sob o ponto de vista, do que hoje nós chamaríamos logística.

Não havia o problema da concorrência. Eu julgo que a proximidade de lojas que têm como produtos importantes os mesmos que nós não me parece que seja qualquer coisa que venha trazer problemas, pelo contrário. Não era uma concorrência desleal, quase que diria que era uma concorrência corporativa, no bom sentido da palavra.

Um exemplo de quanto era salutar foi o meu pai ver uma peça que gostou muito numa ourivesaria, mas não era a ourivesaria com quem ele tinha maior permeabilidade, nem onde estavam os maiores amigos. Recordo ir pequenino com o meu pai ter com o senhor Pedro Baptista e dizer:

- “Ouve lá, eu vi ali na ourivesaria esta peça, mas aquilo está por um preço um bocado alto. Tu não consegues aquilo por um preço mais baixo?”

- “Eu trato disso!”.

E ele próprio saía com o meu pai, ia lá e dizia:

- “Fulano gostou desta peça. Vê lá qual é o preço que podes fazer. Faz para ele o preço que farias para mim.”

Eu recordo-me muitas vezes do meu pai. Era um homem que para mim estará sempre presente. De vez em quando, estou comigo a falar com ele:

- O que é que tu farias se estivesses aqui?

Hoje em dia a concorrência está desvirtuada. A concorrência hoje pensa que são inimigos. Naquela altura, fazia com que as pessoas se deslocassem àquela rua muito mais facilmente, porque sabiam que ali num lado ou noutro iriam encontrar com certeza aquilo que pretendiam. Agora, quando as coisas estão muito dispersas, as pessoas não sabem para onde ir. Qual é o grande segredo dos hipermercados ou das grandes superfícies, se não é efectivamente terem a sua constituição feita por temas. Vai-se a um centro comercial ou pode-se ir ao hipermercado comprar feijão mas também pode vir de lá com uma jóia que custou milhares de contos. Isto aqui fazia-se pelas ruas, era a Rua São João, a Rua Mouzinho da Silveira, a Rua das Flores, a Praça do Infante, a Rua Nova da Alfândega, etc. onde as pessoas, em pouco tempo circulavam e conseguiam encontrar tudo aquilo que pretendiam. Isso, hoje, infelizmente, não existe.

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Lugar

“O Porto da minha infância”

Eu tenho muitas recordações do Porto da minha infância. Ainda me lembro de esta cidade ter mais gente, ter como meio de locomoção normal os eléctricos, as campainhas dos eléctricos que eram muito curiosas. Batia com o pé, era o que fazia o condutor do eléctrico para as pessoas se arredarem e, portanto, o eléctrico poder passar. Lembro-me muito bem dos carros antigos, dos táxis antigos, dos prédios, das habitações, da quantidade de pessoas que viviam na Baixa da cidade.

Acabava-se de jantar e as pessoas encontravam-se no café entre amigos e ninguém ia para a televisão, salvo aqueles períodos durante a guerra em que as pessoas ouviam a BBC. Fora isso as pessoas encontravam -se nos cafés, nos diferentes e bons cafés que a cidade do Porto tinha, que eram por vezes a continuação das suas próprias casas. Era uma sala de estar onde tomavam café, falavam com os amigos, trocavam impressões, falavam sobre negócios, falavam de futebol com certeza, falavam de desporto, falavam de associações recreativas, de passeios tornando a cidade de facto uma cidade mais iluminada, acima de tudo pela presença humana. Por exemplo, um deles logo à partida era um dos cafés mais famosos até pela distribuição com que as pessoas se colocavam dentro. Era A Brasileira. A Brasileira era um café onde apareciam as pessoas que queriam conviver umas com as outras, apareciam as pessoas que gostavam muito de teatro de revista, que ficava ali próximo. Apareciam os próprios artistas também, que conviviam com o público e havia duas facções que eram fundamentais, que estavam sempre permanentes, era a facção política num canto, já marcadamente uma facção anti-regime, na altura, anti-Salazar ou anti-ditadura.

A outra facção era uma facção profundamente desportiva, que era constituída por diferentes clubes desta cidade, que não só futebol. O Fluvial que não tinha futebol, era remo e basquetebol, o Sport que também não tinha futebol, o Progresso que já tinha futebol, o Futebol Clube do Porto, o Académico, o Boavista, enfim, todas essas pessoas que encontravam ali um meio para dar um pouco de conversa e fazer uma cavaqueirazinha, com os diferentes temas que tinham. Independentemente disso, lembro-me perfeitamente de assistir na Baixa da cidade do Porto a algo que na altura era considerado um pouco promíscuo que era o Bar Borges. O Bar Borges ficava no início da Rua do Bonjardim onde hoje existe, salvo erro, uma dependência do BPI, mas que era um bar onde normalmente, banqueiros, pessoas de um estrato superior se encontravam ao fim da tarde para tomar um calicezinho de vinho do Porto, para trocar algumas opiniões e para ver algumas pequenas que por lá passavam.

As tardes de cinema e passeios

Eu recordo, por exemplo, da minha infância que toda a cidade do Porto, todo o comércio e a Baixa do Porto trabalhava até ao sábado ao fim do dia. Eu e os meus irmãos, íamos a um cinema ou encontrar uns amigos ou para fazer o passeio dos tristes, que era um passeio interessante, que se fazia no fim do cinema da tarde para ver umas pequenas. A rapaziada era na altura a maior loja da cidade do Porto, uma loja que hoje poderia ser com certeza comparada com uma dessas grandes lojas que existem mesmo em grandes superfícies e que era de um grande amigo do meu pai, o senhor Francisco Carvalho, que tinha não só nas empregadas como também nas clientes qualquer coisa que era interessante ver.

Aqueles que eram um bocado mais marotos, eu pertencia a esse grupo também, gostávamos de dar ali uma passeata. Era agradável, às 19h30, normalmente era a hora em que fechavam as lojas, tinha de ir para casa. Portanto, de onde nós estávamos confluíamos directamente aqui para depois apanhar a boleiazita do pai para ir jantar e depois à noite fazer qualquer coisa. Portanto, isto era uma vida interessante, muito diferente do que é hoje. Uma vida por um lado mais ao ar livre e conhecendo melhor a cidade. Posso dizer que tenho pessoas que, às vezes, vêm de fora e que ficam espantadas como é que eu com o carro consigo fugir do trânsito por algumas travessas. Porque, efectivamente, andei muito a pé na cidade e conheço a cidade relativamente bem e, portanto, essas travessas que hoje não são utilizadas fazem com que as pessoas consigam mais rapidamente circular na cidade. Algumas delas ficaram famosíssimas, umas por umas razões, outras por outras, mas o que é um facto é que a cidade tinha muito mais animação.

O comércio era uma escola

Eu tenho dois irmãos. Não pareço, mas sou o irmão mais novo. Depois, tenho um irmão mais velho que tem o nome do meu pai, Alípio, o meu segundo irmão que é o Vítor, que teve sempre uma actividade aqui na firma mais ligada ao balcão, ao retalho, à venda ao retalho. Nós vínhamos para a firma, que era um meeting point de família e onde não se concentravam só os filhos. O meu primo Fernando e mesmo tios meus, tias e amigos, que não trabalhavam no comércio, como vinham à Baixa da cidade, aproveitavam muitas vezes para aparcar os seus automóveis, porque era uma rua que tinha aparcamento relativamente fácil na altura e apareciam aqui e era um convívio. Eu lembro-me de entrar aqui na firma e ver por exemplo, 20 ou 30 pessoas, já com a loja fechada para o público a falar do Fluvial, a falar do jogo do Porto, a falar de uma notícia política ou de outra coisa qualquer. Portanto, o comércio tradicional exercia, no meu entendimento, uma função agregadora sob o ponto de vista de ponto de encontro entre amigos e entre famílias e era também muitas vezes uma continuação da própria escola.

A senhora Dona Francisca Sá-Carneiro, ilustríssima senhora desta cidade e mãe do Doutor Francisco Sá-Carneiro, que foi Primeiro-Ministro deste país, era uma senhora que duas, três vezes por semana honrava esta casa e o meu pai, sentava-se num banquinho que ainda existe aí – porque guardámos estas coisas antigas que têm para nós algum valor e um valor educacional também e de respeito por todos aqueles que estiveram por trás de nós – e falava com o meu pai de todas as coisas.

Não era só de jardins, não era só de bolbos das flores, de sementes, desabafava com o meu pai de uma forma, exactamente como se estivesse a desabafar com um irmão. A dona Maria Amélia Ferreira, de Riba d’Ave, fazia a mesma coisa.

Portanto, eram dois bancos que existiam ali e cada uma tinha o seu lugar cativo.

E, portanto, isto faz-me hoje muitas vezes emocionar, porque verifico que a maior parte das pessoas não conhece bem a história da cidade do Porto. E isso dá- me alguma tristeza. Porque a cidade do Porto é uma cidade espantosa com uma história riquíssima, no comércio e nas suas atitudes de solidariedade e de humanismo e tem-se vindo a perder um pouco isso para tristeza nossa pela forma como a maior parte das pessoas hoje em dia faz as suas compras e pela forma de estar na vida e de adquirir os bens que tem necessidade. Trancam-se num supermercado, num hipermercado, não convivem com ninguém, nem pagam com dinheiro, pagam com plástico, nem há livro para a pessoa ter a humildade de dizer assim:

- “Ó fulano, não posso pagar agora, mas na quarta-feira venho cá pagar.”

E vinham na quarta-feira. Eram pessoas de palavra. Hoje nem com o plástico há palavra. Acho que há uma deterioração da sociedade que advém da deterioração, nomeadamente, aqui na cidade do Porto da deterioração do comércio. O comércio era uma escola, onde muita gente que mesmo que não lhe pertencesse, aprendia.

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