Pessoas

Mini Biografia

Manuel Joaquim Jesus Garrido nasceu em Fânzeres, Gondomar, a 11 de Março de 1939.

Com 6 anos perdeu a mãe, mas o pai educou-o “para trabalharmos honestamente, que devemos ser prestáveis, educados e cumpridores no desempenho das nossas funções.

Após ter terminado a quarta classe começa a trabalhar, tinha que “pegar numa grade cheia de cerveja que pesava 8 quilos. E eu pesava 32 quilos. Com 11 anos andava o dia inteiro a entregar cerveja pela cidade do Porto.” Esteve 20 anos sem ter um dia de férias.

Está na Casa Moriber “desde 20 de Dezembro de 1951”, sendo actualmente um dos sócios da casa.

“Havia muita dificuldade de emprego”

Estudei no local onde vivo, em Fânzeres, e só fiz a quarta classe. São esses os meus estudos. Acabei a instrução primária e, naquele tempo, tinha-se que trabalhar, não é como agora. O meu pai trabalhava num escritório, mas não era dele. E, como não era dele, não podia lá empregar-me ao gosto dele. Tinha que obedecer às directrizes da empresa.

A guerra de 1939 terminou em 1945 e eu vim trabalhar em 1951, mas ainda estávamos sobre o efeito da guerra. Havia muita dificuldade de emprego, de tudo e pagava-se bem caro quem arranjasse um emprego. Os nossos pais, para arranjar um emprego para os filhos, às vezes ficavam endividados toda a vida a pagar favores por causa de arranjar os empregos.

“Com 11 anos a entregar cerveja pela a cidade do Porto”

Antes de trabalhar aqui, trabalhei numa casa, numa mercearia, no Moinho do Vento, junto à Rua da Fábrica. O primeiro emprego em que vim trabalhar para o Porto, que foi três meses antes daqui, foi para uma casa que eram representantes da Cerveja CUF. O meu trabalho era chegar às 8h30 e pegar numa grade cheia de cerveja que pesava 8 quilos. As garrafas eram em vidro e de 75 mililitros de capacidade. E eu pesava 32 quilos. Com 11 anos andava o dia inteiro a entregar cerveja pela cidade do Porto. Hoje pôr um homem a trabalhar e mandar levar um pacote com 30 quilos para qualquer lado a ver se ele leva. Não leva! Nega-se totalmente. Os tempos eram outros. Nós não tínhamos escolha. Era o que aparecia.

Comigo foi o que apareceu. Nessa altura, havia mesmo situações diferentes da actual, mas havia dificuldades de emprego.

Estive naquela casa só três, quatro meses. Aos 11 anos empreguei-me aqui na loja e estou cá desde 20 de Dezembro de 1951.

“20 anos a trabalhar e nunca tive um dia de férias”

Enquanto vim para aqui, vim ganhar naquele tempo 100 escudos por mês. E era por muito especial favor que se arranjavam empregos desses. Evidentemente que não era um bom ordenado para rapazes mais velhos, mas com a idade de 11 anos na altura, se calhar, era mais ou menos. Já não me lembro. Há 54 anos, já há muita coisa que nós já não recordamos vivamente.

Brincar não era nada connosco, trabalhava-se. Na altura, o comércio geral fechava ao meio-dia e abria às 14h. Então, entrava-se às 8h30 e trabalhava-se até às 20h. E não havia férias, não havia nada. Eu estive durante 20 anos a trabalhar e nunca tive um dia de férias, porque a situação era assim. Era a necessidade. Era quase uma escravatura nesse tempo.

Aos 17 anos saiu daqui um funcionário, que era o encarregado de armazém, e a gerência convidou-me para ocupar o lugar dele. Na altura, eu não quis aceitar, mas exigiram e eu aceitei. Desde aí trabalhei durante 30 anos como encarregado de armazém. E depois então passei a sócio. Essa foi a minha vida, a actividade que eu tive. Foi sempre ferragens e ferramentas. Tive diversas oportunidades para mudar. Por razões várias, nunca mudei. Mantive-me sempre na mesma casa.

Hoje é muito diferente do que era antigamente. Eu costumo dizer que hoje um comerciante ou um industrial tem que dormir muito depressa, porque se não dormir depressa quando acordar já é tarde. Hoje é um pouco isso. Tudo mudou. O que era o comércio há 30 e 40 anos está totalmente diferente de hoje.

De ano para ano, nós temos uma diferença muito grande. Temos que ser mais activos, mais exigentes com nós próprios. Antigamente trabalhava-se sem aquela preocupação, aquela correria de hoje. Nós hoje estamos atentos. Temos que ter muito cuidado, porque conforme se cria uma casa, se valoriza uma casa, em poucos dias se destrói. E nós vemos pelo comércio geral que tudo tem acabado.

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Rua

“Cheia de gente a circular”

Antigamente a rua era igual, só com uma diferença, o movimento era três ou quatro vezes a triplicar do que é actualmente. Portanto, era uma rua cheia de gente a circular, a fazer compras. Noutros tempos de muito movimento, esta rua tinha um comércio muito específico. A parte de ourivesaria estava toda instalada aqui na Rua das Flores. Ainda existe uma parte de ourivesarias, mas havia muitas mais do que o que há actualmente. Tinha também o ramo de malhas e miudezas, havia muitos armazéns e casas retalhistas e muita gente a frequentar esta zona para comprar. Também havia, do nosso género, três casas de ferragens, mas hoje todas acabaram. Só estamos nós. Mas era sobretudo casas para revenda de artigos de malhas e miudezas. Vinham muitos feirantes fazer compras aqui aos armazenistas. Podia haver uma casa ou outra específica mas em geral, talvez 50%, seriam casas de malhas e miudezas e se calhar 40% ourivesaria. O restante eram outras casas de comércio. Mas era tudo comércio retalhista e armazenista.

Eu lembro-me, não vamos muito longe, há 20 anos quem queria abrir um estabelecimento do comércio da Rua das Flores não encontrava um portão para poder-se estabelecer. O trespasse de casas custava um dinheirão. A Rua das Flores antigamente, os passeios eram cheios durante todo o dia. Hoje, às vezes no espaço de 100 metros, passa uma pessoa.

Pobre e envelhecida

Hoje é uma rua com comércio pobre. Pobre no aspecto dos produtos que vende. Nós sabemos, por exemplo, que Santa Catarina é uma rua já com estabelecimentos para alta sociedade, porque se preparou e tem condições de casas grandes. Mas a Rua Mouzinho como a Rua de São João foram ruas que envelheceram como tudo. E daí a razão que a Rua das Flores no aspecto de comércio está muito envelhecida, porque não há clientela a frequentá-la. Tinha todas as condições para ter aqui comércio especializado e valorizado. Mas não há é clientela a frequentar a rua e tem tendência a ficar cada vez mais pobre. Não é uma rua modernizada com grandes casas de comércio, porque não tem público.

Se correr a Rua das Flores toda, não há nenhuma casa moderna com produtos modernizados. Em si é, de facto, uma rua muito antiga e de comércio tradicional, mas comércio tradicional de produtos para aquela classe mais pobre e talvez a média.

“Eu adoro a Rua das Flores”

Eu não tenho nada que dizer mal da rua, que a rua não tem culpa dessas situações. Eu adoro a Rua das Flores. Toda a gente gosta. Antigamente, quase que era imposto a nós próprios, às nossas varandas que temos para cima, a todas elas ter vasos de flores. Eu, naqueles tempos de rapaz, cheguei a ir buscar muitas vezes vasos para colocar nas ruas. Vinham as festas São Joaninas, vinham concursos de quadras que se fazia aqui na Rua das Flores. Havia aqui um grupo de comerciantes que fazia quadras com direito a prémios das casas de comércio a quem melhor embelezava as varandas com vasos com flores. Ainda hoje existe aí uma ou outra varanda que tem flores.

Tenho que reconhecer que não tem condições, mas a rua não tem culpa disso. É uma belíssima rua com a tradição do Porto. É das primeiras e mais antigas da cidade.

Áudios

Lugar

Uma cidade adormecida pelas mentalidades

A diferença maior que eu vejo na cidade, nas ruas, é que antigamente todos os dias e todas as horas parecia quase o São João em gente, em pessoas a procurar produtos. Hoje é o deserto absoluto. Antigamente quem sustentava o Porto eram as freguesias vizinhas: Matosinhos, Leça, Gondomar, Rio Tinto, Ermesinde, Areosa, Vila Nova de Gaia… Toda essa gente procurava a cidade do Porto para fazer as suas compras. Hoje não é visitada por aquela gente toda que vinha dos arredores, porque já não têm necessidade disso.

As grandes superfícies, esses são os inimigos do comércio tradicional. Não é que eu lhe queira mal na minha vida. Eles têm direito a viver como todos nós, mas as grandes superfícies destruíram totalmente o comércio tradicional.

Também há uma coisa que veio agravar muito. É a situação de estacionamento. É um dos problemas muitíssimo grandes, porque hoje quem vem fazer compras ao Porto não pode trazer carro, porque está sujeito a não ter onde parar ou à multa. Os parques são caros para aquela pessoa que na realidade vem com frequência ao Porto. A classe pobre que hoje já tem o seu carro, não pode trazer carro, porque o estacionamento custa. Mas não só. Há outras mais razões que fazem com que hoje a cidade esteja despovoada. Não é connosco, mas a Rua Mouzinho, além do trânsito que lá passa, que é obrigado a passar, está totalmente morta. Totalmente morta. E aqui a Rua das Flores encaminha-se para isso também. A parte velha da cidade está de tal maneira que ninguém a frequenta. Teve os seus tempos. Tudo modificou.

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