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Pessoas

Mini Biografia

Maria Eduarda Ferreira Alves de Matos é natural de Castelões, embora tenha nascido no Porto, a 10 de Junho de 1947.

Depois de terminar a Licenciatura de história foi dar “aulas de Estética de Arte”, e em simultâneo começou a trabalhar na Ferreiros Joalheiros.

Actualmente gere a casa e dedica-se “essencialmente a coisas novas e transformações”. Lamenta que o comércio tradicional esteja a atravessar uma fase tão difícil, “as pessoas procuram comprar galinha gorda por pouco dinheiro” mas acredita que a solução pode estar na fidelização do cliente.

Primeiro e único trabalho

O meu primeiro trabalho foi na ourivesaria. Nunca tive outro trabalho.

Só estive um período a dar umas aulas de Estética de Arte ou coisa parecida, que me pediram, mas não aguentei as duas coisas. De resto sempre trabalhei aqui, a família sempre teve tradição de ourivesaria e de joalharia.

Embora eles se dedicassem também a antiguidades, eu nunca me dediquei a antiguidades, dedico-me essencialmente a coisas novas e transformações, é uma coisa que está feia, está fora de moda, a pessoa manda dar uns jeitinhos, tira aqui, põe acolá, transforma e nasce uma coisa completamente diferente. Às vezes, basta mudar uma pedra, a cor de uma pedra central, por exemplo. Já me aconteceu, um alfinete todo com pedras vermelhas escuras e tinha no meio uma cor turquesa, e eu disse:

- “O que é que eu hei-de fazer a isto?”
- Ó filha, a única coisa que tens a fazer a isso é tirar a do meio que está aí a destoar.

E mudou completamente. Bastou mudar uma única pedra, é o suficiente.

Por exemplo, há pessoas que não usam brincos e fazem fechos de colar. Outras não gostam de anéis e fazem fechos de colares, outros fazem pulseiras. Há uma adaptação, eu criei uma forma de ver a ourivesaria, que está sempre em transformação, e se pode modernizar, que se pode continuar sempre a usar. Claro que há a jóia de brilhantes que só se põe em festas e que só se põe em grandes ocasiões. Essencialmente, a jóia deve ser uma jóia que deve ser usável. Eu nunca saio para a rua sem trazer um colar de pérolas ao pescoço. Nunca ninguém me incomodou.

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Rua

A rua dos ourives com muitas lojas e uns manequins muito feios à porta

Na Rua das Flores eram para aí 37 ourivesaria e todos viviam. Havia aqui uns engraçados que, normalmente, se pegavam. Andavam sempre a insultar-se, pegavam-se.

E mesmo os chamados carapuceiros. Não sei porque é que se juntaram tantas ourivesarias nesta rua. Isto é burguês, há um patrono que é Santo Eloy e era a rua do ouro porque era uma rua do século XVII. E depois uns chamam os outros, e depois é o empregado que aprendeu e vai montar ao lado. E assim sucessivamente.

Antigamente tinha pronto-a-vestir. Por exemplo, há uma casa na esquina da rua que ainda tem os letreiros “Vestir bem e barato” e era muito engraçado porque tinha uns manequins muito feios, daqueles que saíam e recolhiam à noite. Essas lojas de pronto-a-vestir, eram muito engraçadas, os clientes vinham cá e compravam um casaco.

- “Quer ver como lhe está bem?”

O dono ajustavam o casaco nas costas. Era isto, chegavam lá à terriola e o casaco estava largo mas tinham vindo ao Porto comprar. No outro dia, um amigo meu telefonou-me e diz:

- “Olha lá, sabes onde se compra samarras?”
- Eu sei lá onde se compram samarras. Não faço a menor ideia onde se compram samarras.

Dantes havia aqui na rua samarras, casacas de homem que tinham gola de raposa ou uma coisa parecida.

Na Mouzinho da Silveira havia mercearias, ferragens, também havia casa de malas e guarda-chuvas. Houve aqui uma fábrica de guarda-chuvas, havia aí uma fábrica de medalhas, uma senhora que fazia medalhas artesanalmente, havia uma torrefacção, uma vidraria grande tipo Marinha Grande. Havia uma mercearia óptima que era o Gaspar, aquelas mercearias antigas, como há uma agora, uma miniatura do que havia aqui em termos de mercearias, mercearias óptimas com muita qualidade, com muito sortido, era engraçado. Não tinha nada a ver.

O melhor é ser tradicional e o pior a desumanização

O que esta rua tem de melhor é que é uma rua tradicional ainda. Eu espero que se mantenha com qualidade, que não morra e que ainda haja alguém que lute por isso. Ainda no outro dia encontrei um senhor que queria uma loja aqui. Só que com a história da recuperação do quarteirão, estão a matar tudo e depois as pessoas vão-se embora. Pela experiência que eu tive em 2000, as pessoas não vêm. Estão convencidos que vêm mas não vêm.

Porque não têm essa vivência, porque não estão cá no dia-a-dia. A pessoa vai e não vem. Cria raízes noutros sítios e não volta. Esse senhor não encontrou o que queria, não estavam disponíveis as lojas e o que havia era caro.

O que tem de pior esta rua é a falta de amor que se tem por conservar aquilo que é tradicional no Porto, a falta de gosto. Vão para fora, vão a Praga, vão aqui, vão acolá, acham óptimo, acham lindérrimo. Preservar o que têm, olhar pelo que têm, ninguém olha, pouca gente. Só os mais jovens é que já estão alertados para isso, mas há uma faixa etária que não liga absolutamente nada à cidade, está-se a borrifar porque não faz parte dos seus valores. É uma questão de valores. Há uma modificação de valores.

Eu acho que a principal deterioração daqui foi a desumanização das pessoas. Deixou de haver qualidade e deixou de a pessoa humana ter dimensão, de contar, contavam os projectos, contavam as obras mas a pessoa não contava. Desumanização completa. Muita da degradação passa pela desumanização. A pessoa humana não interessa. Interessam os projectos mas não tem dimensão humana, não têm.

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Lugar

“Vinham lanchar as senhoras”

Eu tinha 11 anos quando vim para o Porto. Era tão diferente. Ainda havia carros de bois, havia os eléctricos, havia o 1 que subia e que descia, andavam os carros, circulavam as pessoas, passeavam aos fim-de-semana. Ao sábado passeava-se na Rua 31 de Janeiro e na Rua Santa Catarina porque era uma zona das pessoas irem passear e virem lanchar.

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